quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Pode o deserto ser verde?

• O projecto conseguiu já pintar de verde cerca de três milhões de hectares só no Níger.

Lá se vão mais de vinte anos. Persistência é a palavra-chave. Lado a lado com resistência. Ao longo dos anos, vários cientistas têm tentado trazer para o Níger e para a região árida do Sahel a acácia, uma planta extremamente resistente às intempéries e às escassas condições de solos estéreis. A planta foi, durante muitos anos, cultivada pelos aborígenes australianos que habitavam as regiões mais secas do país. Agora, com a desflorestação em África a atingir um ritmo avassalador, a solução pode mesmo estar na sabedoria aborígene.
Apenas 16 por cento da área total de floresta no mundo se encontra em África. Contudo, entre os anos 2000 e 2005, um terço da desflorestação ocorrida em todo o mundo diz respeito às florestas africanas, a um ritmo de quatro milhões de hectares por ano. A par da luta contra a desflorestação, a região do Sahel debate-se com graves problemas de pobreza e fome, sendo uma das regiões do mundo mais afectadas pela insegurança alimentar. A região é afectada por secas, tempestades de areia, ventos fortes, temperaturas extremamente elevadas e solos inférteis. Os níveis de pobreza associados a um rápido crescimento populacional dificultam a tarefa de tornar esta região sustentável. Perante tudo isto, introduzir o cultivo das acácias na região acaba por ser muito mais do que tornar o deserto verde e anular uma paisagem desoladora cada vez mais fustigada pela desertificação e desflorestação, acentuadas pelos efeitos negativos das alterações climáticas. Acaba por ser também um verde de esperança numa vida menos sofrida, com benefícios vários que surgem deste tipo de cultura, desde a alimentação ao aquecimento e produção de energia, passando até pela redução dos ventos e das tempestades de poeira, naquilo a que os especialistas chamam de cultura agro-florestal.
Vinte anos a pintar o Sahel de verde
Nunca, como hoje, a importância desta iniciativa foi tão grande. No entanto, já lá vão mais de vinte anos desde que o Projecto de Desenvolvimento Integrado Maradi (MIDP) se encontra a braços com várias iniciativas e técnicas de agricultura sustentável nesta região, sempre com o objectivo de atenuar os problemas vividos pelas populações. Agora, mais do que nunca por força das severas consequências das alterações climáticas, a sua missão de pintar o Sahel de verde assume dimensões épicas. Ao longo destas duas décadas, o projecto já contribuiu para uma reformulação da paisagem africana em milhões de hectares. Para isso, têm vindo a utilizar várias variantes da espécie das acácias, sendo que a maioria das acácias australianas, ao contrário daquelas que se podem encontram tipicamente na savana africana, proporciona também alimentos. O sistema de reflorestação levado a cabo por este projecto proporciona, desta forma, uma fonte de alimento adicional, madeira para fogo ou para construções, melhora a produtividade de plantações e da criação de gado e outros animais, contribui para o aumento da biodiversidade e melhora a qualidade de vida das populações, quer através de fontes de rendimento adicionais, quer através da redução de problemas associados às intempéries, diminuindo, como já referimos, os efeitos negativos dos ventos e das tempestades de areia. Ao fim de tantos anos de trabalho, e ultrapassadas as reticências e desconfianças iniciais, Peter Cunningham, um dos cientistas associado ao projecto através de uma organização australiana, disse em declarações ao Gabinete de Assuntos Humanitários das Nações Unidas (IRIN) que «as pessoas começam finalmente a ver os benefícios destas árvores, que têm uma elevada taxa de sobrevivência».
Luta contra o tempo
De acordo com responsáveis do projecto e com estudos levados a cabo pela Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), o ímpeto da desflorestação está a avançar a um ritmo 30 vezes superior ao dos esforços de reflorestação. Perante isto, consideram evidente que as formas de reflorestação tradicionais não serão capazes de reverter a situação, só uma nova abordagem de reflorestação sustentável poderá ter alguma hipótese. Peter Cunningham tenta, desde 2004, incutir nos agricultores o interesse e a consciência sobre os benefícios da acácia. Este «formador agrícola» está a trabalhar com 500 agricultores em 33 aldeias do Sul do Níger mas explica, citado pelo IRIN, que está a ser um processo lento já que «os agricultores de subsistência fizeram o mesmo tipo de agricultura tradicional durante toda a vida. Aceitar as árvores é um processo lento». Depois há ainda o entrave religioso. A maioria dos povos desta região é muçulmana e acreditam que os terrenos devastados pela intempérie ou os solos inférteis são um desígnio da vontade divina, «uma mentalidade que tem sido uma barreira à implementação destas árvores». Cada acácia tem um custo de cerca de 5 dólares mas são colocadas à disposição dos agricultores sem qualquer custo. Desta forma, o projecto conseguiu já pintar de verde cerca de três milhões de hectares só no Níger, proporcionando mais de 250 mil hectares de solos cultiváveis. As vantagens não cessam de aumentar a partir do momento em que as acácias são plantadas. Como explica um investigador da Universidade de Amesterdão, Chris Reij, «trata-se de um virtuoso ciclo de benefícios» que envolve as árvores e o meio que as rodeia. «As folhas e frutos oferecem alimentos, enquanto a matéria orgânica fortifica os solos». Assim, além dos alimentos obtidos através do cultivo das acácias, é possível obter outros alimentos já que a melhoria das condições do solo possibilita o cultivo de outras plantações. Com o tempo, novas sementes fazem crescer mais acácias, o que acaba por gerar um crescimento sustentável da vegetação e consequente alargamento de áreas cultiváveis. Para além disso, as acácias proporcionam abrigo e protecção para as outras culturas na mesma área, evitam a erosão do solo e absorvem mais água em excesso durante cheias como as que afectaram o país no ano transacto. Nos tempos de seca, as acácias resistem, proporcionam sombra e abrigo contra as temperaturas elevadas, e a madeira pode ser vendida como material de construção ou lenha. Segundo estudos já efectuados, o rendimento obtido através da venda de madeira por parte dos agricultores envolvidos no projecto é o equivalente ao necessário para alimentar uma família durante dois meses.

Depois de vários testes e investigações, o programa passou a incluir várias espécies de acácias australianas: Acacia colei, Acacia torulosa, Acacia tumida e Acacia elachantha. Qualquer uma delas apresenta crescimentos rápidos, tempo de vida de cerca de dez anos, grande capacidade de se adaptarem a solos inférteis. As sementes e frutos produzidos por estas espécies são facilmente recolhidas e transformadas em alimentos de elevado teor nutritivo.

Estudos de acompanhamento em 12 das 33 aldeias inseridas no MIDP revelaram que a procura de sementes de acácia excedeu já a produção disponível, o que revela o crescimento exponencial de um mercado associado à produção alimentar alcançada através da plantação de acácias. Um novo dado diz respeito a tentativas, por parte dos agricultores locais, em experimentar e descobrir formas inovadoras de tirar partido das acácias para além daquelas que lhes foram transmitidas pelos envolvidos no projecto. Entre estes novos usos está a utilização das vagens das sementes como fertilizante ou o recurso ao suco das folhas de acácia para uso medicinal no tratamento de febres e problemas de estômago. Novos testes com outras espécies estão a ser levados a cabo pelos responsáveis do MIDP com o objectivo de alargar as possibilidades do cultivo de acácias. Mais do que pintar o deserto, estão a alimentá-lo.

Pedro Durães
Data: 18 / 05 / 2009

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