quinta-feira, 4 de junho de 2009

O fim da GM por Michael Moore

Escrevo na manhã que marca o fim da toda-poderosa General Motors.Quando chegar a noite, o Presidente dos Estados Unidos teráoficializado o ato: a General Motors, como conhecemos, terá chegado aofim.
Estou sentado aqui na cidade natal da GM, em Flint, Michigan, rodeadopor amigos e familiares cheios de ansiedade a respeito do futuro da GMe da cidade. 40% das casas e estabelecimentos comerciais estãoabandonados por aqui. Imagine o que seria se você vivesse em umacidade onde uma a cada duas casas estão vazias. Como você se sentiria?
É com triste ironia que a empresa que inventou a “obsolescênciaprogramada” – a decisão de construir carros que se destroem em poucosanos, assim o consumidor tem que comprar outro – tenha se tornado elamesma obsoleta. Ela se recusou a construir os carros que o públicoqueria, com baixo consumo de combustível, confortáveis e seguros. Ah,e que não caíssem aos pedaços depois de dois anos. A GM lutouaguerridamente contra todas as formas de regulação ambiental e desegurança. Seus executivos arrogantemente ignoraram os “inferiores”carros japoneses e alemães, carros que poderiam se tornar um padrãopara os compradores de automóveis. A GM ainda lutou contra o trabalhosindicalizado, demitindo milhares de empregados apenas para “melhorar”sua produtividade a curto prazo.
No começo da década de 80, quando a GM estava obtendo lucros recordes,milhares de postos de trabalho foram movidos para o México e outrospaíses, destruindo as vidas de dezenas de milhares de trabalhadoresamericanos. A estupidez dessa política foi que, ao eliminar a renda detantas famílias americanas, eles eliminaram também uma parte doscompradores de carros. A História irá registrar esse momento da mesmamaneira que registrou a Linha Maginot francesa, ou o envenenamento dosistema de abastecimento de água dos antigos romanos, que colocaramchumbo em seus aquedutos.
Pois estamos aqui no leito de morte da General Motors. O corpo aindanão está frio e eu (ouso dizer) estou adorando. Não se trata do prazerda vingança contra uma corporação que destruiu a minha cidade natal,trazendo miséria, desestruturação familiar, debilitação física emental, alcoolismo e dependência por drogas para as pessoas quecresceram junto comigo. Também não sinto prazer sabendo que mais de 21mil trabalhadores da GM serão informados que eles também perderam oemprego.
Mas você, eu e o resto dos EUA somos donos de uma montadora de carros!Eu sei, eu sei – quem no planeta Terra quer ser dono de uma empresa decarros? Quem entre nós quer ver 50 bilhões de dólares de impostosjogados no ralo para tentar salvar a GM? Vamos ser claros a respeitodisso: a única forma de salvar a GM é matar a GM. Salvar a preciosainfra-estrutura industrial, no entanto, é outra conversa e deve serprioridade máxima.
Se permitirmos o fechamento das fábricas, perceberemos que elaspoderiam ter sido responsáveis pela construção dos sistemas de energiaalternativos que hoje tanto precisamos. E quando nos dermos conta quea melhor forma de nos transportarmos é sobre bondes, trens-bala eônibus limpos, como faremos para reconstruir essa infra-estrutura sedeixamos morrer toda a nossa capacidade industrial e a mão-de-obraespecializada?
Já que a GM será “reorganizada” pelo governo federal e pela corte defalências, aqui vai uma sugestão ao Presidente Obama, para o bem dostrabalhadores, da GM, das comunidades e da nação. 20 anos atrás eu fizo filme “Roger & Eu”, onde tentava alertar as pessoas sobre o futuroda GM. Se as estruturas de poder e os comentaristas políticos tivessemouvido, talvez boa parte do que está acontecendo agora pudesse tersido evitada. Baseado nesse histórico, solicito que a seguinte ideiaseja considerada:
1. Assim como o Presidente Roosevelt fez depois do ataque a PearlHarbor, o Presidente (Obama) deve dizer à nação que estamos em guerrae que devemos imediatamente converter nossas fábricas de carros emindústrias de transporte coletivo e veículos que usem energiaalternativa. Em 1942, depois de alguns meses, a GM interrompeu suaprodução de automóveis e adaptou suas linhas de montagem paraconstruir aviões, tanques e metralhadoras. Esta conversão não levoumuito tempo. Todos apoiaram. E os nazistas foram derrotados.
Estamos agora em um tipo diferente de guerra – uma guerra que nóstravamos contra o ecossistema, conduzida pelos nossos líderescorporativos. Essa guerra tem duas frentes. Uma está em Detroit. Osprodutos das fábricas da GM, Ford e Chrysler constituem hojeverdadeiras armas de destruição em massa, responsáveis pelas mudançasclimáticas e pelo derretimento da calota polar.
As coisas que chamamos de “carros” podem ser divertidas de dirigir,mas se assemelham a adagas espetadas no coração da Mãe Natureza.Continuar a construir essas “coisas” irá levar à ruína a nossa espéciee boa parte do planeta.
A outra frente desta guerra está sendo bancada pela indústria dopetróleo contra você e eu. Eles estão comprometidos a extrair todo opetróleo localizado debaixo da terra. Eles sabem que estão “chupandoaté o caroço”. E como os madeireiros que ficaram milionários no começodo século 20, eles não estão nem aí para as futuras gerações.
Os barões do petróleo não estão contando ao público o que sabem serverdade: que temos apenas mais algumas décadas de petróleo no planeta.À medida que esse dia se aproxima, é bom estar preparado para osurgimento de pessoas dispostas a matar e serem mortas por um litro degasolina.
Agora que o Presidente Obama tem o controle da GM, deve imediatamenteconverter suas fábricas para novos e necessários usos.
2. Não coloque mais US$30 bilhões nos cofres da GM para que elacontinue a fabricar carros. Em vez disso, use este dinheiro paramanter a força de trabalho empregada, assim eles poderão começar aconstruir os meios de transporte do século XXI.
3. Anuncie que teremos trens-bala cruzando o país em cinco anos. OJapão está celebrando o 45o aniversário do seu primeiro trem bala esteano. Agora eles já têm dezenas. A velocidade média: 265km/h. Média deatrasos nos trens: 30 segundos. Eles já têm esses trens há quase 5décadas e nós não temos sequer um! O fato de já existir tecnologiacapaz de nos transportar de Nova Iorque até Los Angeles em 17 horas detrem e que esta tecnologia não tenha sido usada é algo criminoso.Vamos contratar os desempregados para construir linhas de trem portodo o país. De Chicago até Detroit em menos de 2 horas. De Miami aWashington em menos de 7 horas. Denver a Dallas em 5h30. Isso pode serfeito agora.
4. Comece um programa para instalar linhas de bondes (veículos levessobre trilhos) em todas as nossas cidades de tamanho médio. Construaesses trens nas fábricas da GM. E contrate mão-de-obra local parainstalar e manter esse sistema funcionando.
5. Para as pessoas nas áreas rurais não servidas pelas linhas debonde, faça com que as fábricas da GM construam ônibus energeticamenteeficientes e limpos.
6. Por enquanto, algumas destas fábricas podem produzir carroshíbridos ou elétricos (e suas baterias). Levará algum tempo para queas pessoas se acostumem às novas formas de se transportar, então seainda teremos automóveis, que eles sejam melhores do que os atuais.Podemos começar a construir tudo isso nos próximos meses (não acrediteem quem lhe disser que a adaptação das fábricas levará alguns anos –isso não é verdade)
7. Transforme algumas das fábricas abandonadas da GM em espaços paramoinhos de vento, painéis solares e outras formas de energiaalternativa. Precisamos de milhares de painéis solares imediatamente.E temos mão-de-obra capacitada a construí-los.
8. Dê incentivos fiscais àqueles que usem carros híbridos, ônibus outrens. Também incentive os que convertem suas casas para usar energiaalternativa.
9. Para ajudar a financiar este projeto, coloque US$ 2,00 de impostoem cada galão de gasolina. Isso irá fazer com que mais e mais pessoasconvertam seus carros para modelos mais econômicos ou passem a usar asnovas linhas de bondes que os antigos fabricantes de automóveis irãoconstruir.
Bom, esse é um começo. Mas por favor, não salve a General Motors, jáque uma versão reduzida da companhia não fará nada a não ser construirmais Chevys ou Cadillacs. Isso não é uma solução de longo prazo.
Cem anos atrás, os fundadores da General Motors convenceram o mundo adesistir dos cavalos e carroças por uma nova forma de locomoção. Agoraé hora de dizermos adeus ao motor a combustão. Parece que ele nosserviu bem durante algum tempo. Nós aproveitamos restaurantesdrive-thru. Nós fizemos sexo no banco da frente – e no de trás também.Nós assistimos filmes em cinemas drive-in, fomos à corridas de Nascarao redor do país e vimos o Oceano Pacífico pela primeira vez atravésda janela de um carro na Highway 1. E agora isso chegou ao fim. É umnovo dia e um novo século. O Presidente – e os sindicatos dostrabalhadores da indústria automobilística – devem aproveitar essemomento para fazer uma bela limonada com este limão amargo e triste.
Ontem, a último sobrevivente do Titanic morreu. Ela escapou da mortecerta naquela noite e viveu por mais 97 anos.
Nós podemos sobreviver ao nosso Titanic em todas as “Flint –Michigans” deste país. 60% da General Motors é nossa. E eu acho quenós podemos fazer um trabalho melhor.
Yours,
Michael Moore
MichaelMoore.com

Nenhum comentário: