quarta-feira, 27 de maio de 2009

Dialética e Síntese:

PROUT e Marxismo sob um ponto de vista proutista

Este ensaio apresenta uma comparação entre PROUT e a teoria marxista a respeito do tema dialética e síntese. Uma referência sobre o marxismo, citada neste ensaio, é o vídeo com a entrevista do filósofo marxista Carlos Nelson Coutinho ( 1 ).

Uma das afirmações de Carlos Nelson Coutinho (CNC) nesse vídeo é que "aumentar a igualdade social é uma missão do regime socialista" ( 1 ). Isto significaria especialmente diminuir as diferenças econômicas entre as classes sociais, ou seja, entre ricos e pobres.

Com relação à comparação proposta neste ensaio, vou concentrar-me mais em outra afirmação de CNC: "...a apreensão do real como algo dinâmico, contraditório, que é a sugestão essencial do método dialético de Marx." ( 1 )

A dialética pressupõe a existência de diferenças ou oposições. E na medida em que esse “método dialético” está na base do marxismo, como sugere CNC, então há aí uma diferença fundamental entre o marxismo e a posição de outra teoria, a teoria da utilização progressiva -- cujo acrônimo é Prout.

Qual é essa posição de Prout ?

Essa teoria tem como um de seus princípios a seguinte afirmação: “A diferença, e não a igualdade, é a lei da natureza.” ( 2 ) Isto significa, por exemplo, que não há duas pessoas iguais no mundo, e estas diferenças devem ser levadas em conta. Por outro lado, diferenças artificiais entre as pessoas devem ser eliminadas -- por exemplo: a situação em que uma pessoa vive na luxúria enquanto outra não tem acesso às necessidades básicas da vida humana. Como Prout é uma teoria que visa o desenvolvimento pleno de todos os seres humanos -- e mais, de todos os seres (incluindo animais, vegetais, seres inanimados) -, um de seus outros princípios é o de que “as necessidades básicas de uma era devem ser garantidas a todas as pessoas”. ( 3 ) Isto visa garantir a todas o direito à vida e a um desenvolvimento pleno. (Já vamos ver abaixo o que seria esse desenvolvimento pleno.)

Para que tal garantia seja viabilizada, um dos princípios fundamentais de Prout afirma que “nenhum indíviduo poderá acumular riqueza material sem a aprovação clara do corpo coletivo”. ( 4 ) O que interessa aqui, a respeito deste princípio, é que a limitação à acumulação material é uma forma de eliminar a possibilidade de desenvolvimento de um sistema capitalista, onde a acumulação material por parte de alguns indivíduos é obtida às custas da exploração de outras pessoas e do ambiente.

A implementação prática desse princípio, e da teoria Prout como um todo, depende de lideranças apropriadas na sociedade. Este é o foco da teoria dos ciclos sociais, um parte essencial de Prout que trata da dinâmica da sociedade humana e do papel de lideranças apropriadas na mesma. No final voltaremos a este assunto -- por enquanto voltemos ao tema da dialética.

Um movimento dialético é parte essencial do movimento dos ciclos sociais -- mas, diferentemente do marxismo, que fala de um materialismo dialético, a dialética na teoria dos ciclos sociais se dá em termos de quatro mentalidades humanas básicas. Ou seja, não se trata de um aspecto material, como modos de produção, e sim de um aspecto da mente humana. O autor de Prout, P. R. Sarkar, explicou que o ser humano é um ser mais psíquico do que físico, ou seja, “é o ser que se move pela mente”. Não é difícil de entender isto: antes de realizarmos uma ação, primeiro experimentamos uma emoção que nos impulsiona a agir, ou então usamos nosso intelecto racional e tomamos uma decisão de agir de certa forma (e não de outra ou outras). Outra possibilidade de motivação da ação é a partir da intuição, a qual, diferentemente da operação do intelecto -- que é de natureza analítica -, é de natureza sintética. Esta é uma diferença muito importante que voltaremos a abordar mais abaixo.

De acordo com a teoria dos ciclos sociais, uma síntese da sociedade nunca será alcançada de forma definitiva e permanente, mas deverá ser constantemente buscada. O motivo de nunca poder ser alcançada é dado pelo princípio antes citado: “A diferença, e não a igualdade, é a lei da natureza.” Por outro lado, essa síntese se baseia na minimização das diferenças artificiais entre as pessoas -- ou seja, na eliminação da exploração na sociedade. Essa eliminação nunca será definitiva, mas terá de ser constantemente e ativamente mantida ou buscada. O motivo pelo qual nunca será definitiva, é porque a tendência à exploração é uma parte da natureza humana. Ou seja, tendências mentais ou emoções como raiva, ganância, ciúme, ódio etc. são constituintes da chamada biopsicologia humana (como também a compaixão, o amor, etc.). ( 5)

Por outro lado, também é parte da natureza humana uma busca pelo infinito. Como diz P. R. Sarkar, “há no ser humano uma sede pelo infinito.” Não é difícil de se notar isso: por exemplo, quando essa sede é erroneamente canalizada para a esfera material, ela pode se manifestar na tendência de acumular mais e mais riqueza material. Este é o capitalismo que vemos hoje em dia. Portanto, a citada sede pelo infinito é parte essencial da explicação de por que os capitalistas não conseguem entender ou se ajustar ao fato de que os recursos naturais do planeta são finitos, e na verdade o próprio planeta é finito. Ou seja, porque eles buscam a acumulação infinita na esfera material. É justamente por isso que Sarkar diz que essas pessoas sofrem da doença mental do egoísmo extremo. O primeiro princípio fundamental de Prout é o sinal claro de que se deverá pôr um fim a isto, impondo resolutamente restrições na esfera material, econômica.

Mas como satisfazer a sede por algo infinito ?

Sarkar explica que quando se canaliza essa sede para o campo mental, não há problema direto para o coletivo, porque todas as pessoas podem adquirir e acumular conhecimentos indefinidamente, sem que a acumulação por parte de uma impeça a das outras pessoas. (O mesmo não se dá na esfera material.) Entretanto, também há efeitos colaterais negativos nisso. O excesso de atividade intelectual implica em negligência do ajustamento físico (p.ex. sedentarismo) e também do desenvolvimento da consciência -- que em Prout pode ser chamado de desenvolvimento espiritual.

Uma das especialidades de Prout é o desenvolvimento humano integral e equilibrado em todas as esferas da existência: física, psíquica e espiritual. Na verdade, esse desenvolvimento equivale precisamente à concepção de progresso humano na teoria Prout. E, dentro disso, o desenvolvimento na esfera espiritual implica que a sede humana infinita deve preferencialmente ser canalizada para essa esfera, que é a única na qual poderá ser satisfeita sem efeitos colaterais negativos.

Já os aspectos positivos de tal desenvolvimento são precisamente a diferença essencial de Prout em relação à primazia da dialética no marximo.

Uma síntese plena é alcançada como culminação do desenvolvimento humano individual. Essa síntese não pode ser alcançada coletivamente, na sociedade, como já explicado acima, mas pode ser alcançada individualmente -- e na verdade, é o objetivo de Prout que todas as pessoas tenham condições ótimas para alcançá-la -- a começar pela satisfação das necessidades básicas, ou seja, condições mínimas para o desenvolvimento físico e mental.

A dialética baseia-se na existência de relatividades.

Entretanto, a síntese definitiva alcançada como culminação do desenvolvimento individual na esfera espiritual implica alcançar-se um estado que está além de todas as relatividades, ou seja, um estado absoluto de realização ou fusão com a consciência infinita que permeia este universo de existências transitórias, relativas -- a mesma consciência cósmica da qual originou-se o próprio universo.

Assim, a dialética perde seu sentido nesse estado culminante da existência humana.

O termo “dialética espiritual” é enganador e incorreto, e não é aplicável à nossa filosofia. Em vez disso, o termo Proposição Subjetiva Sintética Suprema ou Apropriação Subjetiva Sintética Suprema deveria ser usado. ( 6)

Este é um motivo fundamental da superioridade da teoria Prout em relação ao marxismo. Essa concepção de desenvolvimento humano integral ou progresso humano está ausente na teoria marxista.

Marx certamente reconheceu o papel negativo, explorador, das religiões, ao afirmar que “a religião é o ópio do povo”. Neste sentido, o grande psicólogo C. G. Jung discriminou claramente entre as instituições religiosas e a chamada “experiência religiosa”.

Em relação à espiritualidade, podemos dizer que ela é um domínio da realidade e da factualidade, e portanto também é objeto de ciência. Mas não se trata de uma realidade externa, objetiva. Se alguém quiser ou puder conceber uma religião livre de dogmas, então poderíamos dizer que ela será idêntica com a ciência da espiritualidade. Essa ciência é uma ciência interna, subjetiva, pois se baseia em um desenvolvimento ou direcionamento apropriado da mente humana.

A esfera espiritual da existência humana, e do universo como um todo, pode ser conhecida ou não por dada pessoa. Isto depende do seu livre arbítrio individual. Da mesma forma como o mundo subatômico ou quântico é diferente do mundo acessível aos nossos sentidos ordinários, e não imediatamente evidente ao mesmos, também a espiritualidade o é.

Partículas subatômicas apresentam comportamentos que, em nossa experiência ordinária, são contraditórios -- como o comportamento de uma onda e o comportamento de uma partícula sólida. A respeito disso falou-se de “complementaridade”. A espiritualidade também envolve a conciliação de oposições, mas em um sentido mais profundo e amplo do que o concebido pela ciência física.

Intelectualmente, a esfera espiritual pode ser tocada através de um direcionamento apropriado do intelecto. O princípio-chave nesse movimento é o da busca do bem-estar de todos os seres -- chamado de “princípio da igualdade social” (ou Sama Samaj Tattva, em sânscrito). ( 7) Isto implica na superação de todo tipo de sentimentos estreitos e limitações mentais. Quando o intelecto é guiado por esse princípio, isto é chamado propriamente de “racionalidade”, na concepção de Sarkar. ( 8 ) Esse movimento implica na busca de uma síntese, e isto colocará o intelecto em contato com a intuição, que é onde começa a espiritualidade, ou seja, uma dimensão sintética de nossa existência.

A busca por uma sociedade livre de injustiças e de exploração só poderá ser plenamente realizada com tal desenvolvimento humano. Esta é uma implicação e uma afirmação fundamental da teoria Prout. ( 9 ) Em especial, lideranças ético-espiritualistas atuantes na sociedade são fundamentais para o bem-estar de todos os seres, não só os humanos. Portanto, a espiritualidade possui em si a semente e o potencial de uma transformação revolucionária em todos os aspectos da sociedade, mas nada acontecerá sem que as pessoas mobilizem-se de acordo com isso.

Em todo movimento social, alguém ou algumas pessoas vão na frente. Que sejamos nós os pioneiros. Todos temos esse potencial infinito dentro de nós.



Mahesh
Florianópolis, 15 e 16 de maio de 2009.

Referências e Notas:
( 1 ) http://www.brasilautogestionario.org/2009/04/28/marxismo-sob-um-ponto-de-vista-marxista-entrevista-de-carlos-nelson-coutinho/
( 2 ) Shrii Shrii Ánandamúrti. Ánanda Sutram. Kolkata: Ananda Marga Publications, 2001 (1962). 2a ed.
( 3 ) Prabhat Ranjan Sarkar. Democracia Econômica – Teoria da Utilização Progressiva. (Cap. 1) São Paulo: Ananda Marga Publicações, 1996.
( 4 ) Shrii Shrii Ánandamúrti. Ánanda Sutram. Kolkata: Ananda Marga Publications, 2001 (1962). 2a ed.
( 5 ) Não obstante, existe um sentido em que Sarkar aponta a possibilidade de uma síntese social:

A unidade humana é uma unidade puramente ideológica, significando uma unidade na esfera psíquica. Onde há unidade psíquica, também ocorre uma unidade física. No reino da unidade, a unidade é sempre psíquica -- uma unidade ideológica significa uma unidade no nível mais sutil da mente. Contudo, a unidade psíquica ou ideológica pode ser prejudicada se encorajarmos a exploração de um grupo por outro. Então, para evitar isto, não deverá haver nenhum espaço para exploração na sociedade. E para assegurar isto teremos de começar uma nova ordem, para proteger os interesses das massas exploradas. Então, para que haja uma síntese social apropriada, precisamos de uma filosofia de vida comum; ou seja, uma unidade ideológica. Mas para impedir a exploração na esfera física, requer-se algo mais do que isso, e este algo mais abrange um sistema constitucional comum, um código penal comum, e a disponibilidade dos aspectos essenciais mínimos para a vida. (Prabhat Ranjan Sarkar. “Discursos sobre Prout” (traduzido). In: Prout in a Nutshell Part 15.)

( 6 ) Prabhat Ranjan Sarkar. “O Valor Existencial da Ideologia” (traduzido). In: Prout in a Nutshell Part 15.
( 7 ) Prabhat Ranjan Sarkar. Neo-humanismo: Ecologia, Espiritualidade e Expansão Mental. (Parte 1 - Cap. 6) São Paulo: Publicações Ananda Marga, 2001.
( 8 ) Ibid. (Parte 1 - Cap. 9)
( 9 ) A unidade da sociedade humana só será alcançada com base em nossa essência humana comum, e não ressaltando-se nossas diferenças. Em particular, Prout defende essa unidade humana baseada no reconhecimento e respeito às diferenças culturais. Entretanto, Prout baseia-se não no humanismo, e sim em um Neo-humanismo, o qual tem como seu ponto culminante o estabelecimento de uma fraternidade cósmica, através da consolidação do sentimento de que todos os seres deste universo são irmãos e irmãs em um mesma jornada cósmica, ou seja, que todos os seres possuem a mesma origem, têm a mesma essência e um mesmo ponto culminante de suas existências -- que é a consciência cósmica.

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